domingo, 26 de fevereiro de 2012

A bebedeira dos perus portugueses

Na mesma edição de ontem do Expresso, em que surgem os equívocos de Joanaz de Melo, há outro artigo verdadeiramente lamentável. É de Luísa Schmidt, uma socióloga do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, e que tem tudo para passar a ser outra presença permanente do blog... No artigo do Joanaz levamos com a Terra Plana; no artigo da Luísa, levamos como o peru do Natal:

O debate sobre energia em Portugal lembra o peru do Natal nos tempos em que eram comprados vivos e embriagados para aceitarem docemente a degola. Hoje, no debate energético, a 'aguardente do peru' é o espetáculo da chicana. E, claro, quanto menor o conhecimento, maior o nível de manipulação.

É mais um artigo que começa bem! Mas, já terá ocorrido à Luísa que são os ecologistas os que têm menor conhecimento, e os que nos andam a manipular? Veja-se como a manipulação começa imediatamente a seguir:

A própria fatura da eletricidade já é um exemplo de péssima informação. Percebe-se mal o que se paga e menos ainda as razões do que se paga.

Na conta da eletricidade, entre outras coisas, temos que pagar: o serviço de carga que nos chega a casa (transporte e distribuição); a segurança de haver sempre alternativa de abastecimento (é como ter um exército em estado de prontidão); e ainda a preparação do futuro para que um dia mais tarde possamos ter eletricidade mais saudável, mais constante e, se possível, mais barata.

Então, a Luísa quer deixar de pagar o transporte da electricidade do topo dos montes, das ventoinhas eólicas, até onde o consumo se efectua? É que os sociólogos não fazem certamente a menor ideia por onde passa a electricidade verde. E nem é preciso fazer um boneco para perceber-se que a energia que é gerada no topo dos montes remotos, a horas inconvenientes, tem que ser transportada para as barragens reversíveis, onde grande parte da energia se perde... E essas barragens ficam igualmente fora de mão (Venda Nova II, Aguieira e Alqueva), pelo que transportá-la depois para as indústrias e grandes cidades é mais uma carga de trabalhos. Mas já sabemos que a Matemática e a Física não são o forte de qualquer sociólogo! Mas a Luísa parece não prezar a energia que consome lá em casa, mas a ideia de um exército em estado de prontidão agrada-me! É que é efectivamente um desperdício ter investido em eólicas, para depois se ter que manter toda a outra infra-estrutura a funcionar, de forma ineficiente e permanente, porque realmente o vento vai e vem quando lhe apetece! Mas o mais grave no raciocínio da Luísa é realmente admitir que a energia eólica possa ser no futuro mais barata; é uma fé ainda mais estupidificante que a fé da nossa Ministra da Agricultura! Mas eu quero energia mais barata, JÁ!, não daqui a 15 ou 20 anos...

Vem tudo isto a propósito da algazarra à volta dos chamados 'subsídios às energias renováveis'. Como se eles fossem uma simples benesse e não uma necessidade indispensável e inevitável.

A questão está de tal modo assanhada que convém ponderar alguns dados adquiridos. 1. Haja o que houver, pelo menos para o próximo meio século, teremos sempre de recorrer a um mix de fontes de energia. 2. Haja o que houver, convém que esse mix tenha cada vez menos fontes de energia vulneráveis, perigosas, poluentes e caríssimas. Conseguir isto prepara-se com muita antecedência e implica decidir gastar agora para obter mais tarde bons resultados. É como pagar os estudos aos filhos.

A verborreia sociológica dá nisto: ela própria consegue definir e enterrar a energia eólica! A energia eólica é vulnerável! A energia eólica é perigosa! A energia eólica polui, de diversas maneiras! E são evidentemente caríssimas!!! A analogia com a educação é perfeita, e revela o estado sociológico do nosso ensino: os nossos estudantes são efectivamente uma geração perdida...

Portugal gasta milhões a comprar combustíveis fósseis. Dependemos deles em 76% e, pelo que se vê, não poderemos pagar contas destas a muito curto prazo. Por isso, o país iniciou em 2000 uma grande mudança e apostou nas energias renováveis. Numa década criou-se um cluster reconhecido internacionalmente como modelar e que, só em 2011, nos poupou 824 milhões de euros em combustíveis fósseis e emissões.

Este problema da Balança Comercial abordei-o recentemente. As contas que aí refiro, se forem lidas pela Luísa, causar-lhe-ão certamente um curto-circuito cerebral... Quanto aos 824 milhões, não faço a menor ideia como foram erradamente calculados, mas são já uma inflação dos 721 milhões que a APREN já mencionava no início do ano. Como é sabido, estes alarmistas começam por um valor, e vão inflacionando, inflacionando, até se tornarem números verdadeiramente estúpidos!

Ora, agora que se construiu o navio, que ele foi lançado ao mar e iniciou a viagem, eis que chegam os 'tubarões' a pretender afundá-lo. Alegam que o contribuinte anda a ser roubado na conta da luz ao ser obrigado a pagar um subsídio às renováveis. Como se não soubessem muitíssimo bem que também o carvão, o petróleo, o gás ou o nuclear precisaram dele, porque o subsídio é uma incubadora de futuro para qualquer mudança de paradigma energético. Se os custos das faturas domésticas subiram recentemente de forma vertiginosa, não foi por causa dos 4,5% de apoio às renováveis, mas sobretudo porque o IVA passou de 6% para 23% e porque o preço dos combustíveis para as termoelétricas disparou.

Chama-se a isto um debate? Seremos todos perus do Natal?

Agora que o navio foi lançado ao mar, quero ver o que vai acontecer aos ratos a bordo. Será que vão saltar? Ou será que se vão afundar com o navio? Mas tubarões não afundam navios. O Titanic afundou-se por excesso de confiança do comandante e assistentes; o Costa Concordia por razões semelhantes... O navio da Luísa está a afundar-se pelas mesmas razões, e Luísa pressente-o. E o problema da Luísa, e dos ecologistas, é que os Portugueses estão a acordar da ressaca da bebedeira que nos enfiaram pelas goelas abaixo!

Afinal o debate é capaz de ser sobre outras coisas bem diferentes da bolsa dos consumidores. Mas, seja o que for, não pode ser decidido pelos capitães dos grandes interesses. A diferença entre as democracias que funcionam e as que só fingem passa por decisões como estas: a tão liberal Inglaterra pôs em discussão pública quatro cenários de mix energético para serem debatidos durante um ano. Por cá, o Governo, dando boleia a um suspeito ânimo antirrenováveis, aprovou medidas e leis para cortar as pernas ao sector, curto-circuitando a sua dinâmica e arredando o assunto da consideração pública.

A questão da energia e dos seus preços é sem dúvida complexa e exigente, tanto mais que os preços irão aumentar com a liberalização do mercado. Mas agir assim não é esclarecer; é apenas embriagar o peru...

Ora aí está! Inglaterra é um bom exemplo, mas quando é que se pôs em discussão pública a nossa aposta nas renováveis? Quando é que as contas nos foram bem explicadas, nomeadamente durante quanto tempo é que iríamos pagar da electricidade mais cara da Europa? Mas ainda bem que se cortou em Portugal as pernas a este sector que enterrou este País. Enfim, agora o peru, todos nós, a acordar da ressaca da aguardente verde, talvez ainda sobrevivamos sem nos cortarem a cabeça. Quanto mais depressa acabarmos com as tarifas feed-in, mais rapidamente voltaremos a fazer glugluglu...